No outro dia, em conversa com uma amiga, ela dizia-me que tinha dificuldade com compromissos porque vive constantemente na expetativa de que a próxima experiência, relação, viagem seja melhor e por isso não se permite aproveitar a experiência que está a viver no momento.
Aquilo que ela considera um traço de personalidade seu, eu considero que é uma consequência da sociedade de hoje.
Encontrar satisfação numa sociedade insatisfeita não é uma tarefa fácil, implica ir contra a corrente de uma cultura que fomenta o descontentamento, implica apercebemo-nos que somos influenciados, muito mais vezes do que aquelas que gostamos de admitir, não nos deixando levar por estímulos e promessas de uma felicidade futura: na próxima compra, na próxima promoção, na próxima viagem é que vou ser realmente feliz.
Esta sensação de ansiedade não é de agora, mas tem vindo a intensificar-se ao longo das últimas gerações: António Variações já a descrevia esta ansiedade e inadequação na sua canção Estou além:
“Esta insatisfação
não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder”
Passo 38 anos, esta letra continua a fazer tanto sentido como em 1983 quando a canção foi lançada.
Estamos treinados para sentir insatisfação constante, persuadidos a uma busca incessante pela felicidade fora de nós. Acreditamos que a concretização dos nossos desejos nos trará a prometida felicidade, mas uma vez concretizados os desejos, percebemos que afinal nos sentimos igualmente infelizes e insatisfeitos.
Estamos presos na armadilha do ego que quer concretizar desejos e acumular conquistas, o que na realidade só nos afasta da felicidade e perpetua o sentimento de inadequação e vazio.
Será possível sair desta armadilha? Será possível uma reeducação de valores que nos ensinem que a verdadeira satisfação não depende de nada exterior e depende única e exclusivamente da forma como nos relacionamos com o nosso mundo interior?
A perspetiva oriental e o Yoga
Muito do pensamento oriental é baseado nesta ideia de que o caminho da felicidade é o retorno ao essencial, de que a simplicidade é a maior das virtudes e que quanto mais nos deixamos conduzir com o fluxo natural da vida mais harmonia e satisfação experienciamos.
A filosofia do Yoga também toca neste ponto e ensina o praticante a cultivar santosha ou o contentamento. Santosha é um dos princípios éticos do Yoga, algo que surge como consequência do progresso na prática, e do caminho de autoconhecimento em geral.
Este princípio é mencionado nos Yoga Sutras, uma coleção de aforismos que reúne o conhecimento e sintetiza a sabedoria do Yoga desde as tradições mais antigas:
“Do contentamento vem a obtenção da mais elevada felicidade [bem-estar].”
Yoga Sutras de Patanjali, II, 42.
O Yoga é um sistema completo que abrange vários caminhos que nos levam ao autoconhecimento e a descobrir outras formas de estar e percecionar o mundo.
O caminho de autoestudo mais conhecido é o do corpo físico e aí se inserem as posturas físicas que conhecemos, mas existem outros caminhos que se intersectam na viagem pelo Yoga: a respiração, a contemplação e observação e ainda o estudo de textos antigos que nos revelam a importância de cultivar alguns valores éticos e morais, como é o caso de Santosha, a arte de ser contente.
E antes de aprofundar este tema importa deixar um aviso: não confundir contentamento com conformismo. Santosha não é aceitar todas as situações nem ser feliz a toda a hora. Esta arte quando cultivada de forma regular permite-nos encontrar harmonia no meio do caos, ao ganharmos consciência que todos os acontecimentos são passageiros e servem de aprendizagem. Ao cultivarmos Santosha na nossa vida, ganhamos uma maior auto-consciência, restando menos tempo e disponibilidade para alimentarmos emoções como a raiva, a tristeza ou a frustração.
Claro que todas estas emoções são naturais, e o que se pretende não é deixar de senti-las, mas não ficarmos presos às mesmas. Ao mesmo tempo, ao praticarmos Santosha deixamos de recorrer a algo exterior – bens materiais ou pessoas – para evitar esse desconforto pessoal, porque reconhecemos que o nosso estado interno de alegria é o único que nos pode tirar desse vazio.
Como cultivar o contentamento?
Há diversas formas de cultivar o contentamento. Podemos praticar as posturas de yoga, respiração profunda e meditação para manter a nossa energia vital equilibrada e a mente tranquila – ferramentas essas que nos ajudam a experienciar um estado de contentamento.
Podemos praticar a gratidão, saber valorizar o que somos e o que temos ajuda a sentirmo-nos em paz. O contentamento surge dos momentos em que nos sentimos em harmonia com a vida. Quando estamos livres de desejos e sem pressa de viver o futuro conseguimos estar em uníssono com o momento presente. Ao ser consciente destes momentos, podemos fortalecer e expandir essa sensação no tempo, mesmo quando experienciamos algum tipo de caos e desarmonia, podemos retornar a este sentimento e encontrar novamente um lugar de paz interior.
Acreditar no nosso valor: já temos tudo dentro de nós. Este pensamento permite-nos diminuir ou cessar o sentimento de inadequação ou de apego, fruto da comparação e competição que somos incentivados a experienciar hoje em dia.
O estado de contentamento é um requisito para encontrar a paz interior e estabilizar as emoções. Aliás, um dos principais benefícios de praticar o contentamento é que nos permite desenvolver a nossa maturidade emocional: deixamos de nos identificar com as nossas emoções e de ser reféns das flutuações da mente. Conseguimos ver para além da satisfação temporária dos nossos desejos pessoais e os nossos interesses deixam de ser apenas individuais, permitindo-nos pensar no coletivo, para o bem da comunidade. Não nos apegamos às coisas nem às pessoas, nem corremos atrás da próxima atividade pois reconhecemos que isso são obstáculos para o nosso contentamento.
Fazemos desta satisfação interior um lugar familiar que podemos observar ao longo dos nossos dias e encontramos neste princípio uma outra forma de experimentar o mundo.