Leonardo (nome fictício), era um imigrante em Lisboa há 10 anos. Deixou o Brasil, mais concretamente a cidade de Goiânia em busca de melhores condições de vida, mas não se sentia realmente integrado em Portugal. Foi isso que o fez procurar-me. Um dia, numa das nossas consultas, disse-me:

“Doutora, eu vivo à margem do que acreditava ser eu mesmo, tudo o que antes parecia certo, agora, simplesmente mudou, já não me encaixo em nada. Mesmo com os meus amigos, já não me identifico. Eu não pertenço a este lugar, mas também me sinto um turista no meu país.”

O que Leonardo relata acima, não é caso raro. É consequência de um processo de perda de identidade cultural – da comunidade à qual pertencia antes de imigrar para Portugal – situação pela qual muitos imigrantes passam e que, como neste caso acontece, pode colocar em risco a sua identidade individual. Por este motivo, devemos encarar a identidade do imigrante como uma identidade não fixa que está em permanente mudança e transformação. 

Não há razões para duvidar que o mundo externo tem uma grande influência no nosso mundo interno, ambos estão conectados e retroalimentam-se. Mas o que é isto de nos sentirmos à margem de nós mesmos? Bem, todos nascemos dentro de uma família, que está inserida dentro de uma sociedade que segue determinadas regras e códigos que vão constituindo a identidade grupal dos cidadãos que a compõem. Quando nos mudamos para uma nova cultura, todos esses códigos mudam, e é aqui que, muitas vezes, os sentimentos de não pertença, de estar deslocado ou até, nas palavras do Leonardo, “à margem de si mesmo”, acabam por vir ao de cima.

A adaptação a uma nova cultura deve ser feita de forma gradual e parcial e nunca ser feita de forma completa. Infelizmente, nem sempre é assim: há casos em que os imigrantes ‘forçam’ a sua integração e adaptação à nova cultura, abdicando da sua cultura original e, por vezes, outros em que o imigrante rejeita por completo a cultura do país de acolhimento e os seus novos códigos. Ambas as posições devem ser evitadas, visto que podem levar à descompensação psíquica e a uma real vivência de marginalização. 

A resposta certa para uma integração saudável está entre estes dois mundos. O movimento migratório pode e deve ser vivido como uma possibilidade de expansão identitária, através da fusão multicultural, na qual o imigrante identifica e absorve partes da nova cultura, mas mantém partes da cultura original como ponto de referência e entendimento. Poder pertencer sem ter que abdicar e, portanto, sem ter que estar à margem de si mesmo para habitar um novo país, é onde reside a verdadeira integração. 

Por outras palavras, integração é poder ser, sem renunciar à possibilidade de pertencer, é dar lugar à diversidade e à possibilidade de saber-se diferente e mesmo assim fazer parte do todo. 

Ilustração de Imigração

O processo migratório deve, então, ser visto e vivido como um processo que acrescenta e não que diminui ou retira. Escondermos ou abdicarmos da nossa verdadeira origem e identidade, não é integração. Na verdadeira integração existe um processo de soma de todas as culturas que o imigrante vivenciou e que o levam a ter uma forma alternativa de viver e pensar. 

Não é, por isso, necessário viver à margem de si mesmo. Pode sim, constituir-se uma nova forma de existir em alternativa à forma padronizada, sem ter que abdicar daquilo que se é em termos individuais, mas tendo em conta os conceitos do novo coletivo/grupo cultural. 

Como função simbólica, a migração representa uma possibilidade de conjugar as infinitas possibilidades de ser e existir. Assim, viver à margem não é uma condição migrante mas sim uma estagnação no processo de transformação e integração dos dois mundos.