Quando falamos de dinâmicas aditivas, seja de substâncias psicoativas, do vício do jogo, da ciberdependência, de compras, comida, sexo, entre muitas outras, todas elas têm um ponto em comum: o facto de serem objetos de gratificação parciais, como uma poção mágica com propriedades securizadoras e que muitas vezes são inconscientemente negadas pelos próprios, “impactando a sua saúde mental e, consequentemente, o relacionamento com os outros”.

Do ponto de vista de Lito e Ferreira, este crescimento das dinâmicas aditivas são consequência da cultura contemporânea em que vivemos, centrada na gratificação imediata através do consumo, de forma a ”preencher”, ainda que de forma temporária, tanto necessidades físicas como emocionais. 

São estas as questões que  Beautiful Boy” – um dos meus filmes preferidos – explora, ao narrar a experiência na primeira pessoa de Nic Sheff. 

Esta longa-metragem, baseada no livro de memórias “Beautiful Boy: A Father’s Journey Through His Son’s Addiction“, de David Sheff, e também em “Tweak: Growing Up on Methamphetamines“, conta a história de uma família que sofre com a terrível experiência do processo e o impacto que viver com um familiar com dependência (seja ela qual for) tem nos familiares do dependente, fazendo-o sem oferecer soluções milagrosas nem demonizar o consumidor de drogas.

Fazendo a analogia com uma Montanha Russa, o tóxico-dependente passa também ele por “altos e baixos”, isto é, por períodos de melhoria e recaídas. É certo que estas podem afectar qualquer família, mesmo as aparentemente saudáveis, como os Sheff, uma vez que o foco não se direciona só para quem vive a dor, mas também para quem convive com ela diariamente.

Eneagrama

 

Resumo do filme

O pai David, um reconhecido jornalista, autor de vários textos publicados na Rolling Stone e no New York Times, vive com a sua esposa e os seus três filhos. O filho mais velho, Nic, é fruto do seu primeiro casamento e está prestes a entrar para a Universidade. Contudo, este começa a entrar numa rotina de consumo de drogas, que abala o seu dia-a-dia e, consequentemente, a relação com o seu pai. Acompanhamos, através de flashbacks, a excelente relação entre filho e pai e somos confrontados com a dura realidade de embarcar na jornada de ver uma família, “quase perfeita”, a ser praticamente destruída. 

Sem tabus nem estigmas, Beautiful Boy não cria vilões ou situações de antagonismo, uma vez que Nic é um rapaz que ama a sua família, o que faz com que seja ainda mais difícil para o espetador vê-lo sofrer. E se, por um lado, o realizador cria um cenário desolador, este cenário contrasta, por vezes, com o amor que as personagens da família  Sheff transmitem. No caso do actor, este veste de forma imaculada a pele de um jovem viciado em metanfetaminas e outros tipos de drogas, representando na perfeição todas as mudanças na personalidade e no estado físico típicas de um toxicodependente.

No caso do pai, Steve Carell passa toda a impotência e desespero que um progenitor sente perante um cenário deste, sem saber o que fazer para melhorar a situação.

 O título do filme faz também a analogia com a clássica canção de John LennonBeautiful Boy feita para o filho Sean, música que  não só está presente durante o filme, como surge num momento delicadíssimo do mesmo, na voz de Carell.

Fazendo ainda a “ponte” com a banda sonora, ao som de Sigur Rós, é nos reforçado o buraco negro que uma dependência cria, criando um certo vazio existencial para o qual o desespero de um pai e de um filho nos projeta, demostrando que a dependência não é algo que afecta apenas o adicto, mas todos aqueles que o amam. 

Fá-lo sem julgamentos, mostrando também os momentos de delicadeza e amor vividos em família, como um episódio na infância de Nic em que se despedem no aeroporto dizendo: 

Do you know how much I love you? I love you more than everything

Frase que passaram a repetir sempre que se despediam. 

Nota: Daqui a 2 semanas publicaremos a continuação deste artigo, desta vez com uma abordagem clínica ao filme