Tudo indicava que se tratava de uma quinta-feira normal, contudo denotei que a minha menina vinha magoada, triste e desanimada. Quis perceber melhor a razão do seu estado de espírito. Quando tentei aprofundar o assunto, disse-me que na escola ninguém a percebia e de seguida colocou-me uma questão: “Carol, porque é que tenho de ser diferente?”.
Compreendi imediatamente a conotação negativa que aquele “ser diferente” acarretava. Tentei normalizar o mais possível o conceito de diferente, explicando que todos somos diferentes e que é isso mesmo que nos enriquece e torna únicos. Afinal, tal como afirmou Dalai Lama, “a nossa convivência nasce do diálogo que celebra as nossas diferenças”.
Atualmente, muitos dos meus dias são passados com estes seres fantásticos, muito criativos, extremamente inocentes e com um fundo muito bondoso, e sim, quando digo isto refiro-me às nossas crianças. Tenho a sorte de poder conviver diariamente com crianças com Necessidades Educativas Especiais e, devido a isso, tenho também a infelicidade de testemunhar muitas das suas tentativas, por vezes sem sucesso, de integração na nossa sociedade.
Embora eu encare este facto como uma grande sorte e possibilidade de aprendizagem, também reconheço que elas nem sempre são recebidas com o mesmo entusiasmo e apreço que eu, e toda a equipa com quem trabalho temos por elas.
A verdade é que, embora hoje já existam diversas campanhas de sensibilização sobre as mais diversas problemáticas, como a dislexia e as questões relacionadas com a atenção e a hiperatividade, a realidade é que não são aplicadas nem promovidas medidas suficientes nas escolas que promovam tanto a integração dos alunos como o seu processo de aprendizagem.
São as próprias escolas a admiti-lo: segundo o Diário de Notícias, antes da pandemia se instalar, 30% das escolas confessaram não estar a aplicar a lei sobre educação inclusiva. A falta de meios materiais e mais profissionais nas escolas são as principais razões para que não seja possível cumprir com as orientações para a educação inclusiva e, assim, garantir uma integração e um apoio terapêutico a todos os alunos.
Mas talvez mais importante que a falta de meios, seja a necessidade de uma mudança de mentalidades – que não se faz de um dia para outro – de forma a alterar as crenças e preconceitos que estão enraizados na nossa sociedade e, consequentemente, na escola. E é lá que as crianças passam a maior parte do seu dia, o que significa que é por lá, que a mudança terá de acontecer em primeiro lugar, se queremos ter a esperança de mudar mentalidades.
Lev Vygotsky, psicólogo que estudou a forma como o processo de aprendizagem das crianças se desenvolve, defende que o meio – que envolve a cultura, sociedade, práticas e interações – é o factor com maior preponderância no desenvolvimento humano. Segundo Vygotsky, os seres humanos nascem mergulhados em cultura e esta será uma das principais influências no seu desenvolvimento pessoal, e em particular, dos seus ideais e crenças.
Assim, as características que cada um tem, que muitas vezes consideramos como sendo individuais, são na verdade consequência, pelo menos em parte, das trocas de interações que realizamos diariamente nos diversos meios, sendo a escola, o local onde essas interações se desenrolam durante mais tempo durante a infância e adolescência. É pelo meio ser tão importante no nosso desenvolvimento enquanto indivíduos, tanto a nível interno como externo, que muitos psicólogos, como é o caso de Suls e Hothman, nos alertam para a necessidade de estudar as diferenças culturais e étnicas, algo muito relevante para em vez de discriminarmos e segregarmos, promovermos um desenvolvimento positivo e integrador na sociedade, em particular, nas escolas.
Assim, ao contrário do que muitas vezes acontece na educação, em que tudo é demasiado “preto” e “branco”, “certo e “errado”, quando lidamos com crianças com Necessidades Educativas Especiais, precisamos de ser flexíveis e compreender que pode e deve existir uma perspetiva “cinzenta”. Mas muitas vezes, quando digo isto na escola, os professores pensam que isto é sinónimo de facilitar e, portanto, mostram-se muito resistentes. Contudo, temos de compreender que o que pode parecer muito fácil para alguns pode ser muito difícil para outros. Daí que seja tão importante adotar Medidas de Apoio Universal ou Medidas Específicas de Apoio à Aprendizagem, adaptadas e adequadas ao nível de dificuldade do aluno. Isto significa apoiar e não facilitar.
Por último, é necessário normalizar e integrar estas crianças nas escolas de ensino regular e não apenas criar escolas específicas para o ensino especial, porque ao fazê-lo estamos, mesmo que inconscientemente, a segregá-las, contribuindo para esta categorização entre “normais” e “diferentes”, entre “preto” e “branco”.
Se o fizermos, pode ser que um dia perguntas como “Porque tenho de ser diferente” façam parte do passado.