Quando falamos de morte, não existem receitas nem fórmulas mágicas (como aliás em nenhum outro assunto) para ajudar as crianças. Cada perda acontece em diferentes circunstâncias e, diferentes crianças, vivem-na de forma diferente.

O que sabemos é que a notícia poderá ser digerida de outra forma, se for dada, num contexto seguro e de forma simples e directa, por alguém da confiança da criança, dando-lhe espaço para colocar as questões que quiser e estar disponível para responder.

Deve-se explicar à criança razões pelas quais a morte aconteceu (doença, acidente, envelhecimento…), fazendo um breve resumo do que aconteceu. Ser sempre honesto, verdadeiro e falar de uma forma afetuosa, numa linguagem clara e adaptada à idade da criança que a permita entender o que lhe estamos a dizer, respeitando o tempo e vontade da mesma, dando-lhe a informação de forma progressiva, à medida que a criança vai manifestando ter vontade de saber mais.

Nestas conversas, sobretudo com crianças até aos 7 anos, período em que o pensamento mágico e a confabulação são muito frequentes, é importante sublinhar que a morte não é o resultado das suas ações ou pensamentos e que, por isso, estas não têm qualquer responsabilidade nas mesmas.

A importância de deixar a criança viver o seu luto

Acho que todos concordamos, que lidar com a morte de um familiar ou amigo não é fácil, tanto para crianças e adolescentes, como para os adultos. Apesar deste não ser um processo fácil, este luto é necessário ser vivido em qualquer idade e as crianças têm o direito de serem levadas a sério, respeitadas e compreendidas. Mas a verdade é que muitas vezes isto não acontece.

Por vezes, os adultos querem proteger a criança da dor, como se ela não precisasse de a viver: acham que ao desvalorizarem ou banalizarem a perda estão a ajudar a criança, quando pelo contrário, estão apenas a contribuir para o silenciar da dor, deixando a criança sozinha interiormente, a ter de lidar com algo extremamente difícil, o que poderá dificultar o processo de luto, fazendo-a sentir-se desamparada. Noutras situações, os adultos estão tão embrenhados na sua própria dor, que se esquecem do sofrimento da criança e o assunto acaba por ser evitado.

Assim, é essencial ter em consideração que uma criança vive um profundo sentimento de perda, dor e ansiedade quando alguém que ama morre ou desaparece da sua vida.

 

É importante que os adultos possam ser referências para as crianças, expressando o quanto a morte os afeta e como também os faz sentir coisas difíceis. Devem acolhê-las, oferecendo-lhes um espaço de escuta e diálogo, com lugar para a expressão do sofrimento, dos medos, das ansiedades, preocupações e dúvidas.

É natural que as crianças façam muitas perguntas, e é importante que tenham espaço para as poderem fazer no seu tempo. Às vezes estas perguntas poderão ser difíceis de responder, mas se alguém afetivamente significativo para a criança estiver disponível para as ouvir ao invés de as evitar, a tensão que a perda prova na criança vai sendo aliviada. Caso contrário, as crianças sentir–se-ão profundamente sozinhas.

Se em algum momento um adulto se sentir muito indisponível emocionalmente para estar com essa criança, é importante pedir ajuda e eleger outros adultos de confiança da criança que possam dar suporte naquele momento.

É importante também os adultos darem oportunidade à criança de, caso queira, participar nos rituais de despedida, explicando-lhes o que vão presenciar e garantindo que há um adulto de referência durante a cerimónia, para esclarecer alguma questão que a mesma possa ter.

Se durante a cerimónia estas quiserem ausentar-se, isso deve ser-lhes permitido. As despedidas são muito importantes num processo de luto e, independentemente da idade, cada um de nós deve encontrar a sua forma de as fazer.

É também natural que face a uma situação de morte a criança se questione sobre a sua própria morte, a dos seus pais ou pessoas próximas, algo que, inevitavelmente, gera ansiedade. Esta pode, posteriormente, espelhar-se numa ansiedade e medo na separação  dos pais, em perguntas permanentes, pesadelos ou medos – como por exemplo, o medo de ficar sozinha à noite.

Para que possa existir uma elaboração da morte, a criança vai utilizando defesas psicológicas. São exemplos de defesa psicológica a idealização – em que, por exemplo, a pessoa que morreu é, aos olhos da criança, vista como maravilhosa e perfeita), o da racionalização da situação ou a expressão pela arte através da escrita de textos, músicas, poemas, desenho, etc

Independentemente da idade, é importante preservar a imagem do familiar na memória da criança, tal como nos fala o filme Coco da Pixar, que tem como pano de fundo o dia de los muertos. Neste filme, as pessoas apenas se mantinham “vivas no mundo dos mortos” se fossem lembradas por quem vive. A mensagem que o filme passa é a de que é importante falar sempre que for oportuno, responder à curiosidade e perguntas das crianças e ajudá-las, por exemplo, mostrando fotografias.

Desta forma, a criança percebe que mesmo após a morte as pessoas que nos são queridas continuam vivas dentro de nós, nas nossas lembranças, o que facilita a reorganização mental após a perda.

O que não ajuda, e é até contraproducente,  é evitar falar sobre a pessoa ou não responder às perguntas da criança, como se nada tivesse acontecido. Tudo é passível de ser discutido e a conversa ajuda a criança no processo de luto. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, não é traumático falar, traumático é não falar e fazer a criança abafar a dor, vivendo este sofrimento em solidão e desamparo.

Geralmente, esta dificuldade dos pais em falar sobre a morte e em responder às perguntas tem a ver com as suas próprias dificuldades em lidar com a morte. Se isso acontecer, são os pais que devem procurar ajuda.

É também importante ter muita atenção à forma como a mensagem é transmitida, não esquecendo que em determinadas idades as crianças entendem o que lhes é dito de uma forma literal. Por vezes, numa tentativa de protecção, os adultos usam expressões como que a pessoa “foi dormir para sempre” ou “fez uma longa viagem”. No entanto, estas expressões podem confundir a cabeça das crianças e fazê-las mesmo criar medos dentro de si, como o medo de ir dormir porque podem morrer, ou dos pais não acordarem mais quando forem dormir.

Podem também criar a ideia de que, se alguém for viajar, pode nunca mais voltar, ou gerar sentimentos de abandono quando um familiar vai embora. Dizer que quando alguém morre se transforma numa estrelinha também pode ser prejudicial, pois a criança pode começar a achar, cada vez que olha para o céu, que todas as estrelas são pessoas mortas.

Somos todos diferentes e cada criança, adolescente ou adulto demora o seu próprio tempo para fazer o luto, um tempo que é importante respeitar e durante o qual é normal surgirem alguns sintomas. Só é necessária intervenção especializada quando os sintomas persistem ou a criança ou adolescente se organizam em função deles, não conseguindo retomar o normal desenvolvimento.