Há uns meses atrás, enquanto navegava pela Netflix, deparei-me com a série “Conversas com um Serial Killer: As gravações de Ted Bundy” que desde logo me despertou interesse, por ter imensa curiosidade em analisar perfis psicopatológicos.
Mas antes de fazer uma análise “clínica” ao filme e em particular à personagem Ted Bundy, importa explicar quem foi Ted e do que trata este documentário.
Quem foi Ted Bundy?
Nascido em Vermont (EUA) em Novembro de 1946, Theodore Robert Cowell, mais conhecido por “Ted Bundy”, era filho de uma mãe solteira, mas na verdade nem sempre o soube. Nos primeiros anos da sua infância, Ted viveu com a falsa percepção de que os seus avós maternos eram os seus pais e que a sua mãe era a sua irmã mais velha. O ambiente em casa era descrito por alguns familiares como “abusivo e violento” e a avó materna de Ted era uma esposa submissa, frágil, tímida e obediente. O seu avô, Samuel Cowell, era descrito como uma pessoa racista, violenta, abusiva e de temperamento explosivo.
Enquanto criança, Ted presenciou episódios de violência praticados por Samuel contra a sua esposa. Samuel era um adepto de pornografia e toda uma panóplia de revistas pornográficas estava constantemente ao alcance de todos, incluindo dos mais novos. Não obstante desta dinâmica familiar, Ted afirmou que amava e identificava-se com o seu avô e descrevia os tempos em Filadélfia como idílicos, recordando o conforto e segurança que sentia na antiga casa de família.
Em 1951, a sua mãe casa-se com um homem chamado Johnny, com o qual teve 4 filhos e que adopta Ted, adquirindo este o sobrenome do padrasto (“Bundy”), com quem não tinha uma boa relação, por considerar que este era intelectualmente inferior a ele e não era de todo um bom parceiro para a sua mãe.
Anos mais tarde, em 1965, entrou para a Universidade onde iniciou um percurso académico inconstante, frequentando vários cursos – chinês, Estudos Asiáticos, esteve também ligado a movimentos políticos e a aulas de teatro – sem nunca os terminar. Ironicamente, o único curso que conseguiu terminar, foi um mestrado em Psicologia, onde trabalhou numa linha de prevenção ao suicídio. Posteriormente, candidatou-se a várias faculdades de Direito, onde inicialmente não foi aceite. Contudo, depois de alguma insistência e por estar associado a campanhas de reeleição do Governador Dan Evans (do qual obteve uma carta de recomendação), acaba por ser admitido na Faculdade de Direito da Universidade do Utah.
Em 1974, Ted Bundy comete a sua primeira agressão sexual e homicídio, tendo todas as vítimas seguintes um denominador comum: jovens mulheres que eram sequestradas, violadas e mortas. Mas não se ficava por aqui: já depois de as matar, vesti-as, maquilhava-as, pintava as suas unhas e até tirava fotos (doença que em psicologia se denomina necrofilia). Devido ao facto de ser um jovem muito simpático, inteligente e charmoso, essas características acabavam por atrair muitos elementos do sexo oposto, que na maioria das vezes estavam longe de desconfiar de que Ted era um assassino em série.
No ano de 1979, é finalmente julgado pelos homicídios cometidos e condenado a pena de morte, já após ter conseguido fugir da prisão, por duas vezes.
Numa das sessões do julgamento, Carol Boone – amiga de Ted – testemunhou a seu favor, descrevendo-o como ”amável, afável e paciente”. De amiga passou a namorada e foi pedida em casamento em pleno tribunal pelo serial killer. Este pode ser sido mais um estratagema de Ted para alcançar a misericórdia do juiz, que ainda assim não resultou. Bundy voltou para a prisão à espera que o dia em que lhe seria aplicada pena de morte chegasse. Durante essa espera, recebia frequentemente visitas da sua mulher que lhe levava droga mas também aproveitava para matar saudades do marido: em 1981, nasce a sua única filha.
Entre o período de 1984-1989, depois de alguns adiamentos para a data de execução e com todos os recursos e possibilidades de fuga esgotadas, Bundy apercebendo-se que a sua sentença de morte estava próxima decide confessar os seus crimes – confessou 30 homicídios em 7 Estados dos EUA, mas estima-se que o verdadeiro número possa chegar até 65 – dando uma série de entrevistas ao jornalista Stephen G. Michaud, que mais tarde escreveu vários livros sobre ele, como o “The Only Living Witness” que o New York Daily News classificou como um dos dez melhores livros sobre crimes.
Em Janeiro de 1989, aos 42 anos, morre eletrocutado na Cadeira Eléctrica.
Análise segundo uma perspetiva clínica
Segundo o psiquiatra Cleckley, a principal característica do psicopata é a sua incapacidade de demonstrar empatia ou preocupação genuína por outrem, sendo aquilo que melhor define a sua deficiente resposta afetiva face aos outros.
No que diz respeito ao plano interpessoal, Ted Bundy faz uso da sua beleza e aparente encanto, que utiliza para manipular as vítimas, sem racionalizar sobre as consequências que os seus atos podem ter para os outros ou para si mesmo. As suas relações são marcadas pelo seu carácter parasita, exploratório e sobretudo pela sua brevidade e superficialidade. Para o psicólogo Hare, os psicopatas como Bundy, tendem a ser mentirosos compulsivos, manipuladores, com um egocentrismo exacerbado e uma incapacidade para amar.
Quanto à esfera afetiva do psicopata, é marcada pela falta de remorsos e ausência do sentimento de culpa (não aceitação da responsabilidade dos seus atos) e de empatia (capacidade de se colocar na “pele da outra pessoa”, razão que justifica a superficialidade do seu afeto). Estas características têm reflexos na interação social que se torna desviada dos padrões éticos e morais, não tendo necessariamente de se traduzir em criminalidade, mas sim, como afirma Hare, “em comportamentos desviantes despoletados por uma motivação inadequada para a anti-socialidade”.
O seu estilo de vida é, consequentemente, orientado pela busca exagerada por sensações, impulsividade e risco. A falta de objetivos de vida realistas fazem com que seja incapaz de seguir ou manter qualquer plano de vida a longo prazo, algo que fica demonstrado pela constante “saltitar” de curso para curso.
A nível de comportamento, o mesmo é definido pela anti socialidade, o que pode, eventualmente, levar à repetição dos comportamentos desviantes. Os sujeitos psicopatas não aprendem com a experiência nem com a punição, podendo este último ser até um factor motivador para a repetição dos crimes, algo que pode ser verificado no livro sobre o caso de Ted, escrito por Michaud e Aynesworth intitulado “The Only Living Witness: The True Story of Serial Sex Killer Ted Bundy”. Na verdade, Ted demonstra-se orgulhoso e alimenta-se de toda a exposição e atenção que lhe é dada por parte dos media.
Para além disso, Bundy olha para os seus crimes de uma forma fria: para ele, estes representavam apenas “menos uma pessoa à face da terra”, não demonstrando qualquer arrependimento e tratando as vítimas como meros objectos.
Mas afinal porque cometia Ted todos estes crimes?
Ted encara as vítimas como uma “entidade ou ser maligno”, como se pode ouvir numa das entrevistas para os media. As várias entrevistas, permite-nos decifrar os mistérios associados ao seu comportamento e pensamento, que estão na origem de todas estas mortes. Parece claro que o desejo e obsessão pela posse e poder, são uma tendência no seu comportamento: numa fase inicial da sua vida, estes impulsos foram sendo saciados com pequenos furtos e roubo, que lhe possibilitaram a posse de tantos artigos de luxo. Mais tarde, este desejo parece ter constituído um bom motivo para violar e matar. Se no início os desejos eram satisfeitos apenas com a agressão sexual e a morte da vítima ocorria em resultado do medo de ser denunciado, numa fase posterior, via nos cadáveres, uma oportunidade para satisfazer os seus desejos e fantasias.
Contudo, apesar do presente estudo de caso abordar a personalidade de um sujeito psicopata, em que o indivíduo em questão foi responsável por diversas atividades criminosas, é importante notar que nem todos os psicopatas são assassinos, ou criminosos. O seu carácter manipulador e o seu egocentrismo exacerbado podem ser canalizados para outras atividades não criminosas ou puníveis por lei (ex: mundo dos negócios, a persuadir clientes, relacionamentos, etc).
Para terminar, deixo-vos com uma frase do psicólogo Francisco Ramos de Farias que me permite reflectir sobre este e outros Serial Killers e que diz: “…quem mata tem prazer ao captar a morte naquele que morre, mas apenas quando morre. O gozo perverso estaria exatamente nesse tipo de entroncamento: reduzir uma subjetividade a uma mera objetividade”.