A autonomia e a independência são componentes basilares para a nossa sobrevivência, reconhecimento social e sucesso enquanto indivíduos. Mas afinal o que é a autonomia?
A autonomia é um processo que passa pelo desenvolvimento de diversas competências, como a capacidade de se evidenciar como uma pessoa individualizada, de construir e perspetivar acerca da sua vida sem depender da opinião / expectativa de terceiros e desenvolver os seus valores e um sentido de responsabilidade. A autonomia não é algo unidimensional, existindo várias dimensões: a autonomia comportamental (tomada de decisões diárias independente de terceiros); a autonomia em relação aos outros (forma de lidarem com emoções e opiniões contraditórias); a autonomia de valores (exploração pessoal de valores).
Se olharmos para a autonomia comportamental, a maioria de nós encara competências como comer, lavar os dentes, arranjarmos-nos sozinhos e conseguir apanhar um transporte, como algo garantido à partida. Na verdade, nem olhamos para isto como uma competência que nos permite ser autónomos. Pois devido à azáfama do quotidiano, a que estamos expostos diariamente, esquecemo-nos de parar e pensar em quem não tem o privilégio de fazer aquilo que para a maioria é automático.
É o caso das muitas crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e das suas famílias. Estas quando vão a uma loja, muitas vezes não se podem dar ao luxo de se preocuparem com aquilo que ficará melhor ou mais bonito, mas preocupam-se sim em descobrir qual a peça de roupa que será mais fácil de vestir. Este tipo de preocupações ainda fazem parte do dia-a-dia de uma família com crianças com a NEE, porque a nossa sociedade, ainda não oferece formas de promover a autonomia nestas crianças, promovendo na verdade, a sua dependência. Porquê?
Como constata Miranda, esta falta de autonomia, é muitas vezes agravada por este preconceito que ainda existe relativamente a estas crianças, que faz com que os próprios pais se sintam menos à vontade em expô-las a situações de convívio social, que poderiam ser muito importantes para promover a sua autonomia. Para que também estas crianças possam crescer de forma saudável e desenvolver-se ao nível pessoal e social, é imperativo desconstruir este “olhar” negativo que a sociedade ainda tem sobre pessoas com NEE, para que os pais não lhes limitem as atividades sociais com o objetivo das proteger deste olhar (quando é apenas um olhar) preconceituoso.
Mas serão apenas as crianças com NEE que estão a ser excessivamente protegidas?
Apesar dos motivos serem distintos, a verdade é que esta questão de uma protecção excessiva do risco, que impede o desenvolvimento da autonomia, não é exclusiva das crianças com NEE, mas é cada vez mais um mal geral da educação dos pais do século XXI.
Tal como referiu Professor e Investigador da Faculdade de Motricidade Humana Carlos Neto, num artigo para o Observador, as nossas crianças já não são expostas aos desafios do dia a dia, já não brincam à apanhada ou jogam às escondidas e cada vez mais é lhes dado “tudo pronto” para evitar que corram “perigos” na infância, o que acaba por ser muito perigoso para o seu desenvolvimento enquanto adultos autónomos.
Como defende a especialista em Comportamento do Consumidor Infantil e Juvenil Luísa Agante neste artigo para a Sapo, não promover a autonomia, faz com que se criem crianças demasiado dependentes, que não desenvolvem competências cruciais para a vida adulta, como a capacidade de resolução de problemas, o pensamento crítico e competências de autorregulação.
Daí que seja perigoso colocar as nossas crianças numa redoma, aparentemente protegidas de todos os perigos mas, ao mesmo tempo, suscetíveis ao primeiro que lhes apareça, pois nunca lhes foi dada a autonomia para os conseguir superar.
Então, devemos pelo contrário promover, e não obrigar, a criação de situações que permitam às crianças desenvolver tanto a sua dimensão física como emocional, incentivando a que estas se “desenrasquem” sozinhas, para que ganhem aos poucos a sua própria autonomia. Ao ser cada vez mais bem-sucedida nestas atividades, a criança vai ter mais confiança em si mesma para enfrentar novos desafios, o que irá levar a um aumento da sua independência.
Como nos diz a Pediata Húngara Emmi Pikler, “quando uma criança age por sua própria vontade, iniciativa e interesse, ela adquire capacidades e conexões muito mais fortes do que se tentássemos ensiná-la”.
Talvez seja necessário substituirmos as proibições e os “nãos” constantes na rotina das crianças, por “sins” prudentes que promovam estes desenvolvimentos pessoais e iniciativa própria nas nossas crianças. Tudo isto porque se analisarmos friamente conseguimos verificar que por detrás de cada não, estão limitações que impomos às crianças, enquanto que por detrás de cada sim encontram-se diversas oportunidades para contribuirmos para este crescimento adaptativo e desenvolvimento pessoal que, desde que estes ‘sins’ não constituam um perigo excessivo para a criança, devem ser aproveitadas.
Devemos dizer SIM à oportunidade de criar crianças aventureiras que pretendem desenvolver a sua autonomia e NÃO às restrições e à excessiva proteção dos nossos filhos. E ao fazer isto, estaremos cada vez mais a caminhar para uma sociedade que diz sim à inclusão, à brincadeira, à autonomia e que, principalmente, diz SIM a ser criança!