Os tempos mudaram e, com eles, a forma como se vive uma fase tão crucial no desenvolvimento de qualquer pessoa: a infância e adolescência.
Os mass media trouxeram a informação em massa – principalmente as más notícias – e com ela a percepção (porventura errada) de que o perigo e risco – que na verdade em doses certas são até recomendáveis – estão em todo lado. As crianças do passado, que brincavam na rua, subiam às árvores e esfolavam os joelhos, são os pais de hoje que cada vez menos dão aos seus filhos a liberdade para o fazer. E tudo pela sua segurança.
Mas estarão as nossas crianças efetivamente mais seguras (e porque não dizer saudáveis) dentro de quatro paredes?
O facto de os jovens estarem “no seu ninho”, aparentemente protegidos nos seus quartos e não estarem a consumir drogas ou a apanhar uma bebedeira com os seus amigos, talvez o deixe tentado a responder que sim a esta pergunta. Mas a verdade é que esta é uma falsa percepção de segurança, uma vez que o maior perigo pode estar logo ali, à distância de um ecrã: em casa, cada vez mais crianças se refugiam no mundo virtual onde, independentemente dos dispositivos, os perigos são infinitamente maiores do que a brincar na rua, apesar da supervisão por parte dos pais ser, muitas vezes, infinitamente menor.
O resultado desta incoerência (por desconhecimento, educação e literacia digital) está à vista: “25% das crianças e jovens em Portugal são clinicamente dependentes”, sendo que mais de 60% dos jovens afirma “não conseguir viver sem a internet”. E, surpreendentemente ou não, quanto mais horas as crianças e adolescentes passam online, menor parece ser a supervisão por parte dos pais, como se concluiu no estudo “Estilos Parentais e Supervisão dos Comportamentos Online” presente no Projeto Supervise.
Educar para não ter que remediar
“Gonçalo, vem para a mesa!!!! Já vou mãe, estou só a acabar de passar este nível!!!” “Rita, deixa o facebook e vem jantar, estou aqui a ver que continuas online!!!”
Narrativas como estas invadem todos os dias as casas de milhares de famílias. E todas elas têm, muito provavelmente, um ponto em comum: nesta fase já existe uma utilização problemática das ferramentas digitais que, se não for moderada pelos pais, poderá transformar-se em dependência, tornando inglório todo o seu esforço.
Infelizmente, nestes casos, em que a ação só ocorre quando o problema já se está a instalar, é muito mais provável que os filhos desobedeçam, encarando os pais como os “maus da fita” que constantemente os alertam para as suas responsabilidades no “mundo real”, mundo esse do qual os teenagers, de tão absorvidos que estão nos seus smartphones ou tablets, parecem querer escapar a todo o instante.
Mas como podem os pais deixar de ter este papel de “polícias sinaleiros” sem correrem o risco que os seus filhos fiquem viciados?
A resposta é mais simples do que parece: criando regras em conjunto, logo desde a infância, quando as crianças pegam nos primeiros tablets – alguns especialistas falam dos 3/4 anos – mostrando interesse pelos jogos e conteúdos online a que estas assistem, demonstrando empatia e sendo capazes de se colocar no lugar das crianças e jovens. Para que estas regras sejam efetivamente adotadas, é necessário existir uma comunicação constante sobre as mesmas, com momentos de partilha de pontos de vista, em que os pais demonstram aos filhos que têm em consideração aquilo que estes lhes transmitem.
Assim, tal como desde cedo passamos aos nossos filhos uma série de comportamentos relacionados com as suas rotinas diárias – desde as horas de refeições, como estar à mesa, a que horas ir dormir – que os ajudam a auto-regularem aspetos básicos da sua vida, também a utilização de tablets, telemóveis ou outras ferramentas digitais têm de ser geridas desde cedo.
Será obviamente muito mais fácil para os pais terem alguma autoridade, se a começarem a exercer quando as crianças são ainda pequenas e estão a começar a explorar o mundo ao seu redor, devendo, por isso mesmo, ser orientadas neste processo (como explicado durante o webinar “Como promover comportamentos online saudáveis na criança?” que pode ver abaixo).
“Faz o que eu digo, não faças o que eu faço!?”
Claro que para o sucesso desta gestão da utilização dos gadgets digitais, é muito importante que exista uma negociação e contratualização, estipulando a proibição do uso do telemóvel, a determinadas horas do dia e momentos (por exemplo às refeições ou depois do jantar).
Mas ainda mais importante: É necessário que os pais dêem o exemplo, e que estas regras se apliquem para toda a família, o que muitas vezes não acontece. Os pais são cada vez mais grandes utilizadores das novas tecnologias e muitas vezes são os primeiros a quebrarem o “contrato” estipulado, o que faz com que a criança ou adolescente acabe por imitar esses comportamentos.
Afinal, não é por serem “adultos” que os pais devem estar acima da lei. Basicamente a máxima “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, é uma piada engraçada, mas sem resultados práticos. Educar pelo exemplo será sempre a solução mais eficaz.
Claro que este caminho educacional (cheio de trilhos, bem sabemos) representa um grande desafio para os pais, não só pelo facto do campo da literacia digital ser um campo de investigação recente, mas por ser um onde, geralmente, os miúdos lhes ganham 10-0.
No entanto, por mais difícil que seja, se este trabalho for feito desde cedo, mais tarde os pais irão colher os frutos deste relacionamento, aumentando o vínculo na relação familiar e estando mais perto de evitar situações semelhantes às do Gonçalo ou da Rita.
Ora, respondendo ao Gonçalo:
“Okay, Gonçalo, tu podes passar esse nível, mas amanhã, que agora já são horas de jantar e combinámos que não jogavas depois do jantar. Vamos lá usar o botão da pausa e desligar do cordão.”
É isso mesmo que ouviu. Do cordão, da extensão de si próprios, porque o mundo digital acaba, em muitos casos, por mascarar e prolongar o papel de vínculo, funcionando como as chupetas dos tempos modernos para onde os jovens transportam os seus medos, angústias e frustrações.