Image by vectorjuice on Freepik
Quando falamos de distúrbios alimentares, tipicamente a sua incidência acontece no período da adolescência, que têm impacto tanto a nível físico, como emocional e até social.
O sedentarismo e o excesso de peso são os distúrbios alimentares mais frequentes, acabando muitas vezes por estar relacionadas com a utilização excessiva que é feita das redes sociais, Playstation, filmes ou séries, de fácil acesso para os jovens e, em muitos casos, sem qualquer tipo de supervisão parental.
Hoje em dia, quando pensamos numa típica família do século XXI, verificamos que com as suas rotinas agitadas, as refeições em conjunto pelo menos uma vez por dia acabam, infelizmente, por ser a exceção. Este é um momento de extrema importância para a partilha de experiências, para o saborear da refeição em conjunto, que é muitas vezes interrompido por um terceiro elemento: o telemóvel. Aqui assistimos a um cenário em que este é utilizado por todas as faixas etárias (é verdade, até pelos pais!) alimentando-se assim o risco de dependência e comprometendo o diálogo entre todos.
Quando pensamos em boas rotinas alimentares, é importante termos presente a ideia de que estas se adquirem precocemente na família e, obviamente, que o mesmo também acontece com os maus hábitos alimentares.
Mais do que uma doença física…
Os distúrbios alimentares refletem tanto fatores biológicos, como socioculturais ou até psicológicos, seja devido a uma predisposição, quer pelo contexto que irá, ou não, impulsionar o seu aparecimento. Em algumas situações, a história de vida dos adolescentes leva-os a experienciar a solidão e o abandono, sentimentos estes que, por vezes, contribuem para uma frágil autoestima e autoconfiança.
Torna-se assim fundamental reforçar a ideia de que um distúrbio alimentar pode manifestar-se de uma forma tão silenciosa que, em certos casos, poderá passar “pelos pingos da chuva”. Deste modo, é essencial que os adultos que acompanham a criança (principalmente os pais, professores e auxiliares), estejam constantemente atentos a possíveis alterações ao nível da postura e formas de agir e de estar na relação com o outro.
Algumas pistas de que estamos perante um caso de distúrbio alimentar podem ser:
- Deixa de comer repentinamente. Por forma a atingir uma mais rápida perda de peso, muitos jovens deixam de se alimentar. Esteja vigilante e observe a frequência dessa recusa;
- Comem em excesso – compulsão alimentar. Alguns jovens comem em demasia de maneira a acalmarem o sentimento de vazio, “buraco negro”, que os persegue. Por vezes, manifestam também comportamentos auto-agressivos (depois das refeições induzem o vômito ou utilizam laxantes ou diuréticos), por forma a compensarem o fato de terem comido aquele chocolate e não terem feito exercício a seguir para gastar as calorias do que consumiram. Esteja atento se o adolescente, a seguir às refeições, está muito tempo trancado na casa de banho;
- Demasiado foco, inquietação, obsessão pela sua imagem corporal. Verifique se o/a jovem manifesta comportamentos de comparação corporal com os outros que vê, seja nas redes sociais, na TV ou na escola. Se ao olhar-se ao espelho diz não se sentir bem com o seu corpo ( “o meu corpo é horrível!”; “quem me dera não me sentir assim!”) ou se tem utilizado roupas mais largas, que escondem as suas formas, é preciso que os pais saibam reconhecer estes sinais de forma a conseguirem intervir a tempo. É crucial olhar para o como, o quando e o porquê destes comportamentos de rejeição, geralmente relacionados com fragilidades emocionais;
- Esconder alimentos. Muitas vezes os jovens com estas perturbações, seja anorexia, bulimia, obesidade ou outras, por distintos motivos característicos de cada patologia, têm escondidos nos seus quartos (em caixas ou gavetas) os alimentos que não consomem. No caso da anorexia deitam para o lixo mais tarde e, no caso da obesidade e bulimia vão consumir mais tarde;
- “Alienação cibernética”. Outros, ainda, entram nesta espécie de dinâmica interna, onde ao mesmo tempo que se tornam dependentes na Internet, também perdem o controlo do que vão consumindo em termos alimentares durante a sua utilização, acabando por perder hábitos saudáveis de autocuidado da sua rotina alimentar.
É urgente intervir: e agora?
No caso de distúrbios alimentares, é indispensável termos em linha de conta que um diagnóstico precoce, combinado com um acompanhamento ajustado, pode precaver outros desfechos menos felizes a longo prazo ( internamentos, tentativas de/ou suicídio).
Outro dos aspectos a ter em consideração, centra-se no trabalho em rede por parte de uma equipa multidisciplinar que abrange psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, e que é imprescindível para o acompanhamento do paciente, permitindo o diálogo e a colaboração das diversas áreas, nas suas vertentes bio-psico-sociais.
Desta forma, é fulcral o ajustamento de hábitos alimentares saudáveis no seio familiar com o auxílio de um nutricionista que possa reeducar a família neste sentido, acompanhar o adolescente, e, consequentemente, potenciar a integração e o apoio que este irá sentir por parte daqueles que o rodeiam. É essencial educar e desmistificar a falácia de que existem alimentos proibidos: obviamente que uns são mais saudáveis e benéficos para a nossa saúde do que outros e que, por isso, devemos consumir mais regularmente.
O estigma social que infelizmente ainda está associado à saúde mental, pode contribuir para adiar ou, em alguns casos, fazer com que nem sequer se recorra a ajuda externa. Porém, como partilhado pelo médico Manuel Gonçalves-Pinho “quanto mais tarde se direcionar o adolescente, mais complexo será o prognóstico e o tratamento”.
É também necessário realçar, como referido por Gonçalves Pinho, o papel preponderante das escolas na promoção de uma “educação para a saúde mental”. Neste sentido, procurar este suporte é fundamental, pois mesmo a família, a escola e os amigos que acompanham o jovem, podem sentir-se “desnorteados” e não saberem qual a melhor forma de ajudar o adolescente.
As perturbações do comportamento alimentar, devem ser encaradas com seriedade, uma vez que podem comprometer a saúde, tanto física quanto psicológica, e em alguns casos, até mesmo a vida.
É frequente que quem sofre deste tipo de problemáticas do foro alimentar, considere que é um exagero o que os outros pensam sobre eles, que não estão assim tão mal, ou, como acontece na anorexia, que não estão assim tão magras. A realidade é que independentemente do peso da pessoa ou da quantidade de comida que ingere, a má ‘relação’ com os alimentos e o sofrimento que esse mau relacionamento provoca, só poderão ser resolvidos através de ajuda especializada imediata.
Neste sentido, existem uma série de intervenções ajustadas ao histórico clínico de cada paciente que, a longo prazo, irão potenciar um novo “renascer” saudável e com o maior equilíbrio possível. É certo que todo este processo requer tempo e resiliência por parte do paciente e de quem o acompanha, no sentido de proporcionar as ferramentas necessárias para que se sinta o mais confortável possível, com o seu corpo, emocionalmente com os alimentos que ingere e com o seu “Eu” interno.
Sofrer sozinho e em silêncio NUNCA deve ser a solução, sendo que estes problemas estão longe de ser raros, podendo atingir qualquer um de nós, não devem por isso ser motivo de vergonha.