A minha avó dizia-me muitas vezes que, por mais evoluções a que eu pudesse vir a assistir, nada seria tão importante como a invenção da varinha mágica. Contava-me que quando ela era miúda (nasceu em 1922) tinha a incumbência de moer o feijão usando um púcaro para o pressionar contra um tabuleiro. Era uma longa e árdua tarefa e quando surgiram as varinhas trouxeram verdadeira magia à vida dela.
Em muitos aspetos, a nossa vida em 2021 é bem mais fácil e melhor do que era a de pessoas como a minha avó, que nasceram no início do século passado, mas a verdade é que nem sempre isso é garantia de nos sentirmos melhor.
Muitas coisas mudaram desde então e o número de opções aumentou significativamente. Em quase tudo nos é dada uma grande variedade de escolha. Podemos escolher um curso que não equivale necessariamente à profissão que iremos exercer, podemos mudar de profissão com relativa frequência, temos talvez dezenas de variedades de iogurtes à nossa espera na prateleira do supermercado e dezenas de escolhas de mindfulness para escolher. E qual é o problema de termos tantas opções?
A verdade é que esta liberdade de escolha tem inúmeras vantagens, mas alguns autores referem também ter desvantagens. É o caso de Barry Schwartz, que se tem dedicado a estudar as relações entre a Economia e a Psicologia, e que chama a atenção para um problema que tem vindo a investigar, que designa por “paradoxo da escolha”.
A primeira desvantagem apontada por Schwartz é que o excesso de liberdade de escolha pode fazer com que nos sintamos paralisados: afinal, como saber qual o melhor curso, ginásio ou modalidade desportiva, a que instituição doar o IRS, qual a melhor escola para os nossos filhos ou até por que dieta optar, quando as opções são, muitas vezes, quase infindáveis?
Por vezes, face a muitas opções, ficamos impossibilitados de escolher e quando temos mesmo que o fazer, decidimos pior. Mas, para além de nos poder paralisar, o excesso de opções de escolha também pode fazer-nos sentir mal. Não é difícil perceber porquê. Quando temos muitas alternativas é fácil imaginarmos vantagens idealizadas daquilo que não foi a nossa opção:
“Este hotel de 5 estrelas é espetacular mas para estar aqui tive que abdicar do safari que também queria fazer, e agora que aqui estou não consigo parar de pensar sobre isso.”
Assim, nos dias de hoje, corremos o risco de passar as férias a pensar nas opções que poderíamos ter tomado, em vez de sermos gratos e saborearmos aquela pela qual optámos.
O dilema das opções infinitas
“Queres café ou Descafeinado? Café forte? Curto ou longo? Aromático? Robusto? Ristretto? Nespresso? Nicola ou Portela?”.
Com tantas opções, o prazer de tomar um café transforma-se num dilema. As expectativas aumentam. A partir do momento em que podemos escolher entre várias opções, nada abaixo da perfeição está à altura das expectativas. Com tantas possibilidades de escolha, é fácil imaginar que poderíamos ter feito uma opção melhor, o que dá origem a um arrependimento acerca da opção que tomámos.
Sentimo-nos mal porque não fizemos (ou podemos não ter feito) a escolha certa. Se só houvesse uma opção, a responsabilidade era do mundo e da falta de possibilidade de escolha. Mas com tantas opções disponíveis, se não escolhemos bem a culpa é nossa!…
Barry Schwartz conclui que é melhor ter escolha do que não ter, mas que a partir daí o aumento de opções não é proporcional ao grau de felicidade, muito pelo contrário.
Um estudo que reforça a teoria de Barry
Esta ideia de que o excesso de opções gera infelicidade é defendida por Dan Gilbert, um psicólogo que acredita que aquilo que pensamos acerca da nossa felicidade está muitas vezes errado. Para o demonstrar, Gilbert aponta para um estudo feito com alunos da Universidade de Harvard durante um curso de fotografia.
No decorrer do curso, os alunos eram convidados a tirar 12 fotografias a pessoas, lugares ou objetos da faculdade que quisessem recordar no futuro e, no fim, a escolher as 2 melhores. Depois de revelarem em câmara escura essas duas fotografias era-lhes pedido que escolhessem uma fotografia que poderiam manter consigo e uma de que teriam que abdicar porque seria usada como prova da sua participação no curso.
Nesta fase, os alunos foram divididos em dois grupos. A metade dos alunos era dada a possibilidade de mudar de ideias acerca da fotografia escolhida nos quatro dias seguintes, enquanto a outra metade não tinha essa possibilidade.
Perguntou-se ainda aos alunos o que achavam que iriam sentir acerca das fotografias no futuro, e a maioria, em ambos os grupos, mostrou-se segura de que iria gostar ligeiramente mais da fotografia que tinha escolhido manter do que daquela de que abdicou.
O que os investigadores descobriram foi que, quer no momento da escolha, quer 5 dias depois, os alunos que não tiveram oportunidade de mudar de ideia gostavam muito mais da fotografia que tinham escolhido manter do que aqueles que tinham tido a oportunidade de fazer a troca, independentemente de a terem ou não feito. Ou seja, ter a hipótese de trocar de fotografia fez com que os alunos se sentissem menos felizes e seguros da sua escolha.
Mas apesar de o excesso de opções de escolha originar, muitas vezes, sentimentos de infelicidade e insegurança, a verdade é que a maioria de nós não tem consciência disso. Na verdade, no final deste estudo foi chamado um novo grupo de alunos, ao qual foi apresentado o curso, dando-lhes, desta vez, a oportunidade de decidir, no momento da inscrição, se queriam, ou não, poder mudar de ideias acerca da fotografia escolhida.
Os resultados foram surpreendentes: 66% dos alunos escolheram frequentar a modalidade do curso que dava a oportunidade de mudar de ideias; ou seja, dois terços dos alunos escolheram frequentar a modalidade do curso que os faria ficar menos felizes com a sua escolha!…
A liberdade de escolha, quando as opções são quase infinitas, pode ter enorme impacto na nossa capacidade de tomar decisões e na nossa felicidade. Mas há mais. Demasiada liberdade de escolha pode criar também problemas ao nível da nossa própria identidade.
É que, quando temos muitas possibilidades, as escolhas que fazemos falam sobre nós, sobre quem somos. E, se somos aquilo que escolhemos, isso aumenta significativamente o peso de cada decisão, visto que uma “má escolha” pode conduzir a uma má percepção acerca de nós.
Sabendo tudo isto, como podemos então ser mais felizes num mundo cheio de possibilidades? Há duas atitudes que poderão ser úteis e eficazes:
A primeira é cultivar a gratidão, que pode servir como o antídoto perfeito para combater o arrependimento das escolhas que não fizemos: afinal, que bom que é ter a possibilidade de usar uma varinha mágica para fazer sopa de feijão.
E a segunda passa por cultivar as opções suficientemente boas: nas decisões do dia-a-dia fazer escolhas que funcionam e que não têm que ser necessariamente perfeitas. Assim, talvez possamos escolher uma varinha mágica sem ter que analisar as 168 opções que nos aparecem numa pesquisa online e, quem sabe, não seremos até mais felizes assim… A minha avó foi.