Achas que o Junuh pode ganhar?

Sim, se ele conseguir encontrar o seu swing autêntico.

Autêntico?

Sim, dentro de cada um de nós há um swing verdadeiro, autêntico. Algo com que se nasce, que é nosso e só nosso. Algo que não se pode ensinar nem aprender. Algo que tem que ser recordado. Com o tempo, o mundo pode-nos roubar esse swing e enterrá-lo dentro de nós, debaixo de todos os “devia” e “podia”. Algumas pessoas até se esquecem de como era o seu swing.

Junuh é um veterano de guerra e antigo campeão de golfe, que participa num jogo com dois jogadores mundialmente famosos. Bagger Vance é o caddy que o ajuda a reencontrar o seu swing autêntico e a recuperar a sua vida.

O que é, então, e como encontramos o nosso swing autêntico?

 

Ken Robinson, orador e autor de várias obras sobre a relação entre a Inteligência, a Criatividade e a Educação, apresenta-nos o conceito de Elemento, o ponto onde a aptidão natural e a paixão pessoal se encontram. Quando estamos “no nosso elemento” ligamo-nos ao nosso desígnio, acedemos a um sentido de auto-revelação, compreendemos quem realmente somos e para que serve a nossa vida. 

O Elemento tem duas características, a aptidão natural e a paixão pessoal, e requer duas condições para ser encontrado: atitude e oportunidade.

Estas duas condições correspondem ao encontro entre dois mundos: o mundo que só existe porque nós existimos, o nosso mundo interior, que representa o nosso filtro ao longo da vida; e o mundo exterior, que já existia antes de nascermos e continuará a existir depois da nossa morte. 

A busca pelo nosso Elemento é, para o autor, uma missão, uma viagem cujo destino ainda não conhecemos. Exige uma atitude de auto-conhecimento, que nos ajuda a encontrar ou redescobrir as nossas aptidões naturais, e uma abertura ao mundo exterior, criando oportunidades que nos conduzem a esse ponto em que o Elemento deixa de ser aquilo que fazemos, e passa a ser quem somos. E quando estamos no nosso Elemento, podemos mudar a vida dos outros.

Quando estamos a jogar golfe, é fácil saber se encontrámos ou não o nosso elemento, porque o nosso swing autêntico conduz a bola ao buraco. Na verdade, segundo Bagger Vance, não é exactamente isso que acontece. Não podemos obrigá-la a entrar no buraco, temos que a deixar entrar por si. Mas fora do campo de golfe pode não ser fácil saber se encontrámos realmente o nosso elemento.

Mihaly Csikszentmihalyi, que se tem dedicado a investigar a felicidade, a criatividade e a realização pessoal, tem tentado perceber de onde vem a felicidade e como é que a encontramos. Começou por investigar pessoas criativas – artistas, cientistas, etc. – para tentar perceber porque é que sentem que vale a pena passar a sua vida a trabalhar em coisas que muitas vezes não lhes trazem fama nem fortuna, mas que as fazem sentir que a vida merece ser vivida. Nas entrevistas que foi fazendo encontrou um denominador comum. Várias pessoas lhe descreviam um estado de êxtase, recordando a experiência de se sentirem a flutuar, ao fazerem coisas que não faziam parte das suas rotinas diárias. 

Essa experiência é tão intensa que quem a sente quase se sente a desaparecer; está tão imerso na experiência de criação que não tem atenção extra para dedicar ao seu corpo ou à sua identidade. Várias pessoas que entrevistou descreveram esta sensação como uma experiência de estar a flutuar, a fluir. E assim surgiu o conceito de flow, um estado em que perdemos a noção de nós próprios e da passagem do tempo. 

Eneagrama

Não é preciso ser artista para entrar num estado de flow. Esta experiência pode ocorrer durante outras actividades. As investigações de Mihaly Csikszentmihalyi, com equipas de todo o mundo, e mais de 8000 entrevistas realizadas, abrangem monges, atletas, alpinistas, pastores, CEOs, etc. São pessoas que se dedicam a múltiplas atividades, e que sentem uma experiência de prazer e de flow quando estão a realizá-las. O autor descreve as sete condições que estão presentes quando estamos num estado de flow:

FOCO – Há uma sensação de foco, que se intensifica e conduz a uma sensação de êxtase, de clareza;

ESPECIFICIDADE – sabemos exactamente o que queremos fazer em cada momento; 

FEEDBACK – sentimos feedback imediato;

DESAFIO – sabemos que o que queremos fazer é possível, embora possa ser difícil;

TEMPO – sentimos que o tempo desaparece;

DESCENTRAÇÃO – sentimos que nós próprios desaparecemos;

PERTENÇA – sentimos que fazemos parte de algo maior do que nós. 

Quando tudo isto ocorre, sentimos simplesmente que o que estamos a fazer merece ser feito.

O oposto do flow parece ser a Apatia, e as investigações dedicam-se actualmente a tentar perceber como é que podemos ajudar as pessoas a aumentar o tempo que passam num estado de flow no seu dia-a-dia.

O equilíbrio entre os desafios e as aptidões parece ser importante. Se os desafios são muito mais elevados que as aptidões, entramos num estado de ansiedade. Se as aptidões são superiores aos desafios, estamos em controlo, mas a motivação diminui e não mobilizamos a nossa atenção com o foco necessário para entrarmos em flow.

Parece então que podemos usar a experiência de flow como um guia para encontrar o nosso Elemento, o nosso swing autêntico, quer no trabalho, quer nas outras partes da nossa vida. Quando temos a sorte de identificar as experiências que nos conduzem a esse estado de flow, estamos muito mais próximos de encontrar o nosso swing autêntico.

Mas será que conseguimos usar esse auto-conhecimento a nosso favor? Controlar esse processo espontâneo e entrar em flow por escolha própria? Usar o taco certo, de acordo com as condições do campo em cada momento? 

Diane Allen era violinista principal numa orquestra. Um dia percebeu que não se sentia feliz enquanto estava a tocar. Mudou de vida, e hoje, quando toca, sente-se em estado de flow. Fala acerca de como aprendeu a entrar em  flow por escolha própria, recriando as condições que estavam presentes sempre que entrava em êxtase. 

Segundo a autora, há que criar uma estratégia de flow que é diferente para cada um de nós. Podemos encontrá-la identificando ONDE estamos quando entramos em flow, O QUE se está a passar connosco (não só o que estamos a FAZER, mas também o que estamos a SENTIR e a VIVER interiormente) e PORQUÊ, qual a nossa motivação naquele momento. 

Para muitas pessoas, a experiência de flow pode ser accionada conscientemente, uma vez estabelecida a sua estratégia de flow, e pode não ter nada a ver com aquilo que é o seu trabalho. 

Experiências que nos ajudam a entrar em flow

As investigações têm identificado algumas experiências que reúnem as condições necessárias para entrarmos em flow. Se começarmos por experimentar algumas destas ideias, pode ser que encontremos uma estratégia de flow que resulte para nós.

Estas experiências têm em comum o grau de foco e imersão que precisamos de ter, o grau de desafio, a importância da técnica e das nossas aptidões, o facto de haver um objectivo específico a atingir e de podermos ter feedback imediato.

Quando fazemos natação ou jogamos pingue-pongue, quando cozinhamos, quando fazemos tai-chi ou meditação, quando fazemos um puzzle ou corremos, mobilizamos a nossa atenção e controlamos as distrações. Focamo-nos na tarefa em mãos, e criamos as condições para entrarmos em flow. Se não nos sentirmos desafiados, não encontrámos ainda uma boa estratégia de flow. Mas se estabelecermos objectivos desafiantes e possíveis de avaliar, possivelmente estas e outras actividades semelhantes são boas candidatas a uma estratégia de flow que funcione para nós.

Acho que é altura de veres o campo.

Ok. O que é o campo?

Vê o Bobby Jones. Vê-o treinar. Quase como se estivesse à procura de alguma coisa. Depois encontra. Vê como ele se instala mesmo no centro disso. Sente o foco. Há muitos shots que pode escolher, mas só um deles está em perfeita harmonia com o campo. Um shot que é o seu shot autêntico, e esse shot vai escolhê-lo a ele. Há um shot perfeito que está à espera de nos encontrar, a cada um de nós. Tudo o que temos de fazer é não atrapalhar, deixá-lo escolher-nos.

Vê o lugar onde as marés e as estações e o movimento da Terra se encontram, o lugar onde tudo o que existe se une. Tens que procurar esse lugar com a tua alma, com as tuas mãos. Não penses. Sente. Só tu. A bola. A bandeira. E tudo o que tu és.

Definir a nossa estratégia de flow ajuda-nos a encontrar o nosso elemento, a descobrir o nosso swing autêntico, a sabermos quem somos e a mudar a vida dos que vivem à nossa volta. 

Bom jogo!