Quando nos zangamos, o que transmitimos é uma expressão de raiva ou irritação que, na verdade, esconde o que realmente sentimos. Por trás desta reacção, está uma emoção mais profunda, que não queremos ou não conseguimos sentir no momento.

A zanga é um tesouro, uma mensagem embrulhada no mais feio papel de embrulho que conhecemos. Os gritos, os silêncios ‘ensurdecedores’, os conflitos constantes, são reacções que vêm até nós como flechas que nos magoam ou balas que nos vão matando devagarinho, mas que na verdade, podem constituir momentos de viragem numa relação. Tudo depende da forma como os encaramos. 

Zangarmo-nos não é algo negativo. Só se zanga quem se preocupa, quem precisa do outro e procura respostas para as suas dúvidas, quem se quer encontrar e encontrar no outro um porto seguro na relação, quem se envolve e procura reciprocidade nesse envolvimento! Precisamos de nos habituar a encarar estas reações como emoções à flor da pele, que têm origem em algo mais profundo, algo que até para quem as sente pode ser difícil de descortinar (quanto mais para o outro!).

Se estivermos do outro lado, do lado do receptor, podemos evitar reagir a quente – a decisão mais fácil – quando alguém se irrita ou zanga connosco. Pelo contrário devemos recuar, como se fossemos um expectador e parar para pensar: “do que é que ele está a precisar e não está a conseguir obter da minha parte para ter esta reacção?”. É, também neste processo, que se constrói uma relação a dois. 

Quando alguém se zanga, raramente há um culpado, cada um tem a sua quota parte de responsabilidade. Devemos tentar perceber que atitude ou postura pode ter desencadeado aquela reação aparentemente desproporcional e exagerada. Se em vez de reagirmos na mesma moeda, adoptarmos uma postura de quem quer chegar a uma solução, fazendo perguntas para tentarmos perceber o porquê  daquela pessoa estar tão zangada, isso poderá fazer o outro aproximar-se.  

É muito frequente que estes comportamentos de raiva sejam chamadas de atenção de um elemento do casal para relembrar o outro de que precisa dele, de que precisa de sentir que é importante na relação.  Quer dando voz a pormenores irrelevantes, quer em constantes perguntas ou ataques, zangar-se é muitas vezes o mecanismo que o outro utiliza para se fazer ouvir. 

Por isso é que, por vezes, um pequeno esquecimento ou desleixo, como não estender a roupa ou não pôr a loiça a lavar, pode dar lugar a uma reação desproporcional. Esta reação é, muitas vezes, uma forma inconsciente de quem se zanga dizer que precisa de saber que ainda é importante para o outro e que ele ainda está lá para ele, de que a relação a dois ainda existe.

Da mesma forma que um pequeno gesto pode fazer com que sintamos que não estamos sozinhos e que o nosso bem-estar é importante para o outro, quando o outro se sente esquecido, também sente necessidade de nos chamar à atenção. Mas como a maioria das pessoas não tem coragem de admitir que precisa de alguém, usam pequenos pormenores e falhas como um pretexto para se certificarem que a relação ainda é importante para o outro. O estendal por estender é apenas o isco para não deixar a relação ‘fugir’, relembrando o outro que há ali uma relação que não pode ser esquecida, que precisa de ser cuidada e alimentada. 

Para aqueles que ultimamente se irritam por tudo e por nada, importa pensar: O que vos deixa assim tão magoados? O que é que estão a evitar sentir que vos faz precisar de gritar para serem vistos? O que é que vos assusta que caia em esquecimento e que vos leva a apontar o dedo à mais ínfima falha? 

De um lado ou do outro desta dança, a zanga é só um acorde que põe em marcha uma coreografia bem conhecida. Os dois se balançam, numa melodia que pode estar a querer salvar o vosso amor de cair na rotina, no esquecimento ou na dormência do desligamento.